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por Rosângela Petroni Dardis Bueno Rezende

Artigo publicado na Revista Brasileira Clínica Médica, 2008

RESUMO

 

Este estudo teve como objetivo, evidenciar aspectos comuns entre a Clínica Médica e a Osteopatia, comparando exigências, interações e semelhanças. Sendo que, ambas, tem como objetivo principal a busca da saúde e qualidade de vida. Embora atuem com conceitos diferentes, têm conhecimentos anatômicos, fisiológicos, semiológicos comuns, que devem ser sempre centrados num único propósito: a restauração e manutenção da integridade física, moral ou social do homem.

 

INTRODUÇÃO

 

É de reconhecimento geral o valor diagnóstico e terapêutico da Clínica Médica, no atendimento, prevenção e tratamento da maioria dos eventos modulares. Entretanto, poucos conhecem a Osteopatia, principalmente no Brasil e América do Sul. Contrapondo este fato, a Osteopatia é amplamente reconhecida nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, e quase toda Europa, onde é considerada com seu valor diagnóstico e terapêutico. O objetivo deste estudo foi mostrar aos profissionais médicos o papel da Osteopatia e suas relações com a Clínica Médica.

 

 

ENTENDENDO OS PRINCÍPIOS DA OSTEOPATIA

 

Osteopatia tem como conceito básico: “O homem é um ser indivisível”. Andrew Taylor Still¹ declarou, como princípio e autorregulação, que o corpo carrega a capacidade de autocura, ou seja, o “Princípio da Imunidade”. Declarou também que a estrutura governa a função. Sendo assim, pode-se diagnosticar e tratar as disfunções. Outro princípio é a unidade do corpo, onde tudo se interliga e tem a função de gerar a homeostásia. Desta forma o corpo tem a capacidade reencontrar o equilíbrio.

 

O Princípio Homeostásico é o Ideal Osteopático.

 

A partir de inúmeros estudos realizados por Sutherland² e Barral³ (osteopatas e pesquisadores), que não só continuaram os trabalhos de Still¹, mas também conseguiram interligar o estudo músculo esquelético ao craniano, ao visceral e a todas as estruturas e sistemas, entre si, tem-se algumas definições que podem ajudar a entender a osteopatia.

 

A osteopatia visceral é um conjunto de técnicas manuais destinadas a diagnosticar e normalizar, tanto quanto possível, as disfunções mecânicas, vasculares e neurológicas das vísceras e órgãos situados no pescoço, tórax, abdômen e bacia, com objetivo de melhorar seu funcionamento e diminuir a origem das dores projetadas no corpo em geral e das disfunções articulares ao nível do músculo esquelético. O objetivo dos osteopatas é suprimir os circuitos de facilitação descritos por Korr4, respeitando o conceito e os princípios dados por Still1.

 

O circuito de facilitação explica fisiologicamente o raciocínio da lesão osteopática. Korr4 descreveu o mecanismo da disfunção osteopática como perturbações neurológicas, sensitivas e motoras, que por um mecanismo disfuncional pode causar repercussões tais como: hiperestesia dos músculos e das vértebras; hiperinstabilidade, que pode ser evidenciada pelas modificações da fisiologia muscular; modificações da textura do tecido muscular, conjuntivo e da pele; modificações das funções viscerais, outras funções vegetativas e perda de mobilidade.

 

Segundo seus estudos, em função de uma adaptação inadequada à posição ereta, o organismo humano é particularmente predisposto a problemas articulares e periarticulares, em particular nas articulações vertebrais e pélvicas.

 

Esses problemas articulares constituem as disfunções osteopáticas, que se associam à sensibilidade ou hiperestesia dos tecidos paravertebrais e dos tecidos infrajacentes (pele, músculo, tecidos conjuntivos); as modificações do comportamento muscular, como a rigidez, causadas por contrações prolongadas e limiares reflexos mais baixos; as perturbações neurovegetativas, interpretadas por modificações da textura dos tecidos supraespinhosos; perturbações da vasomotricidade, traduzidas pelas alterações das funções viscerais; dor local ou projetada, em função do dermátomo e do miótomo correspondente, levando a restrição de mobilidade articular.

 

Interligação entre a disfunção osteoptica e a medular e mostrando como se caracteriza a facilitação medular. Durante a disfunção osteopática ocorre comprometimento dos elementos que compõem o metâmero, desta forma o dermátomo será acometido por dermalgias reflexas locais ou projetado. No esclerótomo, presente na articulação, tem-se dor no periósteo local ou projetado. No miótomo alteração da tonicidade, com comprometimento do sistema agonista e antagonista levando a um desequilíbrio. Este desequilíbrio pode apresentar hipertonicidade muscular, pontos gatilhos, cordões fibrosos, ou então hipotonicidade, com clara perda da força.

 

O angiótomo ortossimpático leva à congestão local, com edema de reação. Desta forma, na disfunção somática pode-se exemplificar o quadro de hérnia discal. Neste caso os angiótomos estão dispostos em bandas, senda assim não é a hérnia de disco que comprime a raiz nervosa e sim o edema é que cria os sintomas. Tem-se ainda que considerar o viscerótomo, cuja disfunção leva a alterações viscerais.

Pode-se concluir que a disfunção osteopática pode ser definida por uma disfunção tridimensional de mobilidade.

 

Exemplo: a disfunção osteopática da coluna está associada à sensibilidade dos tecidos vertebrais, que leva à perturbação do sistema nervoso vegetativo. Portanto, a função visceral causa aumento da produção de adrenalina, que pode vir acompanhada de perturbação neurovascular, como dores difusas, irradiantes ou projetadas.

 

Neste exemplo, caracteriza-se a facilitação medular. “As disfunções osteopáticas só são diagnosticadas com os testes de movimento. É essa noção de movimento que distingue o diagnóstico osteopático de outros diagnósticos e tratamentos.

 

A disfunção osteopática afeta, sempre, o movimento antes de provocar dor, perturbar os órgãos ou atingir uma região, ou seja, antes de multiplicar-se e expandir-se. Inclui toda modificação anormal das posições e dos movimentos das estruturas”.

 

A lesão ou a disfunção estará presente sempre que elementos estruturais começarem a mover-se de forma anormal, sem que haja inicialmente alteração dos tecidos. Os ossos neste início não estão deslocados, os músculos não estão rompidos, e ainda assim, a lesão ou disfunção osteopática está presente.

 

Para o osteopata o homem é um sistema semi-autônomo, cujo funcionamento global depende, relativamente, mas não unicamente de cada uma de suas partes. O bom funcionamento deste conjunto depende da adaptabilidade de suas estruturas. Ele retira do seu entorno os elementos necessários à sua autonomia de funcionamento. Entretanto, isto pode acarretar uma modificação das estruturas e das funções.

“A disfunção osteopática visceral seria, a perturbação da homeostásia ao nível de um ou vários órgãos. Ela pode ser ligada a um estresse alimentar, traumático ou psicológico, conjugada a modificações circulatórias, linfáticas, neurovegetativas e finalmente a dinâmica do órgão dentro do abdômen. O efeito é a perda da integridade anátomo-fisiológica desse órgão 5.

 

Interações e Semelhanças

Como a Clínica Médica, a Osteopatia, leva em conta o conhecimento do número máximo de estruturas e suas funções.

 

A Clínica estuda a doença, a Osteopatia as disfunções (perda da função), que pode ser de uma estrutura músculo-esquelético, visceral, craniana, articulação têmporo mandibular (ATM) ou uma disfunção somato-emocional, em busca da homeostásia. Embora seus caminhos sejam diferentes, seus objetivos são comuns quando tratam o paciente.

 

Se a Clínica e a Osteopatia se encontram quando estudam as conseqüências, voltam a se distanciar pela forma como tratam os pacientes. A Clínica de forma medicamentosa e a Osteopatia por manobras manuais. Ressalta-se novamente que elas têm um objetivo comum: utilizam-se dos conhecimentos analíticos clínicos para restabelecer a saúde.

 

Considerando esse último aspecto, restaurar a saúde, a Osteopatia tem um fator primordial que é o da reequilibração. O criador da Osteopatia1, percebeu a importância dos desequilíbrios e instabilidades que ocorriam no corpo humano durante os processos de doença. Still1 estudou várias alterações clínicas em pacientes com quadros patológicos distintos, como, por exemplo, diferenças de temperatura em diferentes áreas do corpo.

 

Buscou o estudo sistematizado da anatomia e da fisiologia para explicá-los, assim como de outras reações quando instalado o mecanismo das doenças. Ao analisar as estruturas da Clínica e da Osteopatia, observa-se que elas têm muito em comum, pois buscam aprimorar-se sempre e constantemente para melhorar a qualidade de vida das pessoas em geral e das que desenvolvem doenças especificas.

 

DISCUSSÃO

 

A Clínica Médica é capaz de possibilitar um íntimo contato entre os diferentes campos do saber médico, abrindo um grande leque de informações, conceitos e conhecimentos, que favorece o exercício da Medicina para além da perspectiva generalista. É nela, principalmente, que se identifica a relevância dos dados do paciente e onde se exercita de forma sistêmica a coleta de informações, para análise e adequação dos dados, que determinam o diagnóstico.

 

Sendo o diagnóstico a base para a atuação do médico, onde ele consolida o raciocínio clínico, torna-se necessário a aquisição consistente da teoria, que estimula a reflexão crítica sobre os quadros a serem tratados e de como serão tratados. Este é um marco para se obter as diferentes etapas do diagnóstico, tratamento e principalmente para que se estabeleça a relação médico-paciente. Conhecendo-se a Clínica e apresentando-se a necessidade de tratamentos específicos, concentrados, surge a especialidade.

 

O conhecimento específico é compartimentado, o que, eventualmente, pode limitar a análise do todo. A Clínica parte da sintomatologia para os estudos sistêmicos gerais, em busca da identificação das doenças. A Osteopatia parte do conhecimento anatômico e fisiológico para as disfunções, ou perda da função, o que leva a identificação da causa do problema.

 

Por exemplo: é comum encontrar pacientes com diagnóstico de síndrome do impacto ou de bursite no ombro, que ao ser avaliado na Osteopatia leva a outro diagnóstico. Para a Osteopatia este quadro poderia ser identificado como alteração da ATM, acompanhada de mordida cruzada. Busquet6 descreveu em seu livro como aconteciam as relações de crânio e arcada. Como chegar a esta conclusão?

 

Este paciente apresenta alteração da arcada e esta, por sua vez, muda o apoio da cabeça sobre a coluna cervical. A coluna cervical, por compensação faz um giro anterior da cabeça do úmero, isto resultará em estresse sobre o conjunto ligamentar da cápsula articular e possível compressão da bursa, com possibilidade ou não de comprimir o plexo braquial.

 

Outro exemplo típico são as bursites na coxo-femoral. Muitas não são verdadeiras, mas são resultantes de uma alteração intestinal, como por exemplo: síndrome do colo irritável, diverticulite ou um processo inflamatório de longo tempo. Neste caso, considera-se que o paciente assumirá uma posição antálgica, que resultará na anteriorização do quadril sobre o fêmur.

 

Esta anteriorização mudará a posição do acetábulo em relação ao fêmur, o que ocorre estresse e tensão além da inflamação da bursa. Nestes casos, os antiinflamatórios e todos os equipamentos antiinflamatórios seriam paliativos. Aqui se encontra a importância e o diferencial do estudo osteopático. Ele é realizado sobre um homem que não se divide, não compartimentado.

 

É imprescindível lembrar que se está tratando um homem que possuí um arcabouço ósseo, interligados pelos ligamentos, recobertos por articulações e por músculos, estes “envelopados” pelas fascias, que por sua vez recobrem as estruturas viscerais e suas cavidades, formando a dura-máter, a foice do cérebro e a tenda do cerebelo, estas recobertas pelas membranas de tensão recíproca. Ressalta-se que a musculatura é disposta em cadeias, que as estruturas ósseas são um empilhamento e ainda que a fascia, que é formada de tecido conjuntivo de conexão, está sujeita a deformação plástica e elástica. Existem outros tecidos formados por tecido conjuntivo, como por exemplo: a pele.

 

A pele é formada de derme e hipoderme, sendo esta chamada de fascia superficiallis. Entre estas estruturas interligadas pelas fascias estão os vasos linfáticos, que se responsabilizam pela nutrição celular. Nas fascias estão contidas as terminações nervosas que formam meninges, nervos e LCR (líquido cefalorraquidiano).

 

Pode-se concluir, portanto, que as estruturas são ligadas e interligadas entre si. Existe um mecanismo que mantém uma integração entre tensão e compressão, entre força física e química e energia. Ele é chamado de mecano-transdução e é responsável pelo equilíbrio entre as estruturas e suas funções, chama-se de homeostásia.

 

CONCLUSÃO

 

Deve-se ter o entendimento de que não havendo uma análise global do paciente para definição do diagnóstico, princípio Clínico, ou da análise de um homem como ser integral, princípio Osteopático pode não se alcançar o restabelecimento da saúde. Sabe-se que as estruturas estão interligadas e interagem entre si, resultando em funções equilibradas e homeostásicas. Portanto torna-se fundamental diagnosticar e trabalhar um homem que não é dividido/compartimentado.

 

AGRADECIMENTOS

 

Ao Dr. Alexandre Gabriel Jr. professor e coordenador da Pós-Graduação do Departamento de Clínica Médica da UNIFESP, pela sua importante colaboração na elaboração deste artigo.

 

REFERÊNCIAS

 

01. Still AT. Autobiographie. Reedição, Vannes, Sully, 1998.

02. Sutherland WG. The Cranial Bowl. ManKato Mn,1939.

03. Barral JP. Médicine Ostéopathique. Manipulations Viceráles. França. Frison-Roche, 2004.

04. Korr I. Bases Phyisiologiques de L`osteopathie. França. Frison-Roche,1997.

05. Finet G. Williame C. Treating Visceral Dysfunction. França. Frison-Roche, 2000.

06. Busquet L. La Osteopatia Craneal. Espanha. Paidotribo, 1999.